Da nossa vida, em meio da jornada,
Achei-me numa selva tenebrosa,
Tendo perdido a verdadeira estrada.
Dizer qual era é cousa tão penosa,
Desta brava espessura a asperidade,
Que a memória a relembra inda cuidosa.
(...)
Contar não posso como tinha entrado;
Tanto o sono os sentidos me tomara,
Quando hei o bom caminho abandonado.
(...)
Então o assombro um tanto se aquieta,
Que do peito no lago perdurava,
Naquela noite atribulada, inquieta.
E como quem o anélito esgotava
Sobre as ondas, já salvo, inda medroso
Olha o mar perigoso em que lutava,
(...)
Não se afastava de ante mim a fera;
E em modo tal meu caminhar tolhia,
Que atrás por vezes eu tornar quisera.
no céu a aurora já resplandecia,
Subia o sol, dos astros rodeado,
Seus sócios, quando o Amor divino um dia
(...)
Eis surge loba, que de magra espanta;
De ambições todas parecia cheia;
Foi causa a muitos de miséria tanta!
Com tanta intensa torvação me enleia
Pelo terror, que o cenho seu movia,
Que a mente à altura não subir receia.
Como quem lucro anela noite e dia,
Se acaso o tempo de perder lhe chega,
Rebenta em pranto e triste se excrucia,
A fera assim me fez, que não sossega;
Pouco a pouco me investe até lançar-me
Lá onde o sol se cala e a luz me nega.
Quando ao vale eu já ia baquear-me
Alguém fraco de voz diviso perto,
Que após largo silêncio quer falar-me.
(...)
“Mas por que tornas da tristeza ao meio?
Por que não vais ao deleitoso monte,
Que o prazer todo encerra no seu seio?”
“— Oh! Virgílio, tu és aquela fonte
Donde em rio caudal brota a eloqüência?”
Falei, curvando vergonhoso a fronte. —
“Ó dos poetas lustre, honra, eminência!
Valham-me o longo estudo, o amor profundo
com que em teu livro procurei ciência!
(...)
“Do céu o Imperador, a rebeldia
Minha à lei castigando, não consente
Que eu da cidade sua haja a alegria.
“Em toda parte impera onipotente,
Mas tem no Empíreo sua augusta sede:
Feliz, por ele, o eleito à glória ingente!”
— “Vate, rogo-te” — eu disse — “me concede,
Por esse Deus, que nunca hás conhecido,
Porque este e maior mal de mim se arrede.
“Que, até onde disseste conduzido,
À porta de São Pedro eu vá contigo
E veja os maus que houveste referido”.
Move-se então, após o sigo.
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Um comentário:
Isabel,
Bom dia!
Procurando a citação do primeiro verso do inferno...
encontrei seu blog.
Junto à citação...
a resposta a minha indagação...
"pra que serve saber?...
Que você definiu tão bem...
com a frase de Charles Chaplin...
Obrigada por me fazer lembrar!
Suely
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