sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Piano Favorito


Piano favorito. 

Quando criança, descobri um piano
numa grande sala vazia, ele se posicionava próximo às grandes janelas
cobertas por longas cortinas empoeiradas.

Me aproximei dele, deitando as pontas dos dedos
sobre a sílabas brancas engravatadas
tocando cada nota, encetando a palavra grave
sibilando ao agudo, enfeitiçando o gesto infantil.

Desconfiei inocente, 
tais notas serem as traduções daquela coisa que gente tem, 
um êxtase, quando se ama algo ou alguém, 
o inflamar da alma, na respiração estremecida,
a paixão incandescente... desmedida.

O tempo passa...
e no avanço de instantes, abafa o grito agudo
do coração delirante,
determinando que os sentimentos mais tenros tenham prazos
esmiuçando-os na vivência lúcida de um caminho vil,
trocando as palavras por silêncios,
o entusiasmo por sobriedade,
e o calor por coisas mornas.

O futuro exige menos sentimento, mais trabalho,
escurecendo a curiosidade, o brilho dos olhos,
e o sabor do chocolate.

Na sombra dos pensares, surge aquele tom,
permeando as ruas cinzentas habitadas
atraindo alheios corações calados,
e beijando versos solenes, o piano toca alucinado,
arrancando do peito lacrado
àqueles versos apaixonados.