terça-feira, 5 de novembro de 2013

Samba do amor separado I

Inda lembro quando inventei a dor
e a vida não fazia sentido
meus olhos escapavam de ti
sua alma, os olhos meus na escuridão,
seguiram-se os passos do tempo
curam a alma inflamada e 
devolvem o sorriso no rosto

naquela esquina e com pressa
duas poesias se esbarram
o toque do canto profano
e um lastro do destino
incendeia os corações inocentes

os dois casais enamorados
com dedos entrelaçados
presenciaram o medo e ciúme
o iluminar de dois amores esquecidos
ali, naquela hora arrancados
pela tempestade de outros sonhos perdidos

inda tinha você na minha saudade
e vagando pelas ruas à noite,
meus devaneios
nos traços doces do teu rosto,
a face incógnita dos teus olhos,
louca
escuto tua voz nos versos de Vinícius...

na sombra do sonho dela,
era eu acordando ao seu lado
naquela noite gelada,
ouvindo meu nome, seus olhos nos meus
suas mãos trêmulas sobre meu corpo
num abraço forte e molhado
a promessa ensandecida dos teus lábios
sou teu, és minha

na delicadeza da manhã
te escrevi uma antiga carta de amor,
prometi te querer ardentemente
com a mesma chama que te vi pela primeira vez
prometi meu coração, toda minha paixão

com a garrafa em mãos lancei no mar a nossa sorte
à beira do acaso,
em dezembro
senti teu oceano passar pelos meus dedos
achei até que eras miragem
vinhas em minha direção
com um sorriso lindo no rosto
fonte da minha infinita inspiração...

sábado, 9 de março de 2013

Peregrinação de Alice. Parte I.

O chamado da libélula.


             A cortina branca fina cedia às rajadas do vento, mostrando rosto e forma, cortejando o sopro frente às janelas escancaradas Alice contornava os traços vis da madrugada chuvosa, sentia o coração acelerado. Os golpes da chuva invadiam o cômodo e chocavam-se no corpo febril e na mente agora ensandecida, a água havia se espalhado por quase todo chão, molhando o tapete e pontas das cobertas, Alice sentia o líquido gelado rasgar o esírito inconformado, um grito histérico. Trinta e nove graus marcava o termômetro de mercúrio, ela coçava a testa, num gesto confuso, apertando o olho esquerdo em pura expressão de impaciência. Deixou a janela aberta e não se importando com a poça d'água, retirou as vestes e entrou no box, girando rapidamente o registro do chuveiro, deixando cair sobre os ombros a ducha intensa. Alice imaginou que a água podia tirar de si aquele sentimento impertinente, que levaria seus problemas embora... idealizou os outros caminhos por instantes, caminhos aqueles que não tomou.

            Terminado o banho Alice secou brevemente o corpo, deixando a pele úmida, enrolou a toalha nos longos cabelos castanhos, dirigiu-se até a cozinha. Meio copo de leite, trinta segundos no microondas, retira antes disso, depois de balançar o copo fazendo o líquido girar, toma em pequenos goles e retorna ao quarto. Depara-se com o espelho e olha para si, critica os contornos e aproxima-se de seu reflexo, retirando a toalha dos cabelos os desembaraça com as mãos, analisando seus olhos bem de perto. Respira profundamente e deita-se na cama, de bruços, colocando o travesseiro sobre a cabeça, sentindo o frio do quarto invadido pela noite chuvosa.
  
             São cinco e meia da manhã de sábado, cansada de estar na cama, Alice vai até a cozinha e liga a cafeteira, ligando também o computador, colocado no canto da sala pequena, estrategicamente próximo da cafeteira. Lava o rosto reparando suas olheiras. Segue o cheiro do café, enchendo a chícara pela metade e lembrando-se da conversa havida com Hermés, envia-lhe um email:

Sobre nós.
Todos meus atrasos foram sinceramente, atrasos. Um ou outro fiz por querer, todos os outros, o fiz sem pensar. Errei, nada que eu tivesse desejado ou planejado. Não te prometi o futuro, te dei meu coração agora. Se pedi não desculpas foi porque não me arrependi. O passado trouxe lições que esqueci, os pesares, eles todos eu queimei, tenho recordações, não vivo delas. Meu espírito é livre. Encaro a sorte, não o arbítrio alheio, sigo o caminho e não outros passos. Diante de grades, quero o liberdade de voar.
 
Enviado por Alice às 05:42 hs em 20/02/2008

          Olhando fotos antigas da família, o telefone toca e ela desconecta o fio sem curiosidade. Relê a mensagem, e envia, ciente da discussão que tais palavras irão causar. Prepara-se para uma caminhada pelas ruas úmidas solitárias, colocando o jeans e all star azul, vai ao encontro do amanhacer. Via-se a lua e algumas estrelas, inda era escuro e as luzes dos postes brilhavam na água da chuva empoçada no chão. Os pássaros inauguravam a manhã, chamando a luz do sol num ritual quase místico, voavam de um lado a outro, empoleirando-se nos fios de luz.

          Seguia pela calçada sozinha, e sentou num dos bancos do parque bem em frente à lagoa, e olhando o reflexo do céu na água Alice deixou seus pensamentos se deleitarem na paisagem, relaxando o corpo, adormeceu brevemente. Sonhou estar na mesa de um pub com duas pessoas que não reconheceu, mas sentia serem velhos amigos, foi tomada pelo riso, não sabendo discernir exatamente o que estava sendo dito. Tudo aconteceu rapidamente, no liame entre o acordar e dormir, sentiu uma grande luz se dirigir a si, então ouviu: Alice! Alice!

         Abriu rapidamente os olhos, vendo diante de si uma libélula estática  agitando suas asas rapitamente, teve a imediata sensação de que estava sendo fitada por ela, ouvia o barulhinho de suas asas, sentiu-se hipnotizada, Alice foi levantando as mãos vagarosamente pensando em pegá-la, quando então a libélula se aproximou ainda mais de seus olhos por mais alguns segundos e se foi.